quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Por uma gramática inclusiva: a luta das transexuais

O cotidiano brasileiro é permeado por preconceitos. Em diversos ambientes, é notório ouvir um número considerável de xingamentos, piadas e mesmo agressões físicas dirigidas a grupos convencionalmente designados como minorias. No Congresso Nacional, a atuação significativa do deputado Jean Wyllys [PSOL-RJ] explicita o quão profundo é o descontentamento e a ignorância de nossa sociedade, uma vez que esse deputado já sofrera uma série de campanhas difamatórias vindas, inclusive, de seus colegas de Parlamento e que, simplesmente, revelam a dificuldade em se ouvir um homossexual, democraticamente eleito, defender posições humanitárias em defesa das referidas minorias.

O discurso homofóbico, contudo, salta aos olhos num caso bastante específico: as transexuais e seu lugar na sociedade. Recentemente, causou bastante incômodo nas redes sociais – essa terra desolada na qual a profundidade oscila entre o poço sem fundo e a superfície de um pires – a medida empregada pela Prefeitura de São Paulo, cuja ação consiste em fornecer uma bolsa de estudos para transexuais. Ademais, a Revista Capital, em sua página na internet, divulgou um vídeo no qual Luisa Marilac, transexual famosa por conta de um pequeno vídeo divulgado outrora, conta como se encontra realizada por estar trabalhando num hotel e, finalmente, conseguir um nível de dignidade e respeito perante a sociedade.

Ambas as realizações merecem nosso incentivo. Estudar e trabalhar são direitos fundamentais em qualquer sociedade minimamente organizada. Além disso, esses bons passos contribuem para que a opinião pública questione alguns comportamentos típicos de quem nunca parou para pensar sobre o lugar social das transexuais. As transexuais são tidas como objetos de fetiche e, por isso, logo são vistas como pessoas que devem, necessariamente, trabalhar em algo relacionado à indústria do sexo. Assim, não é dada, de antemão, nenhuma opção para as transexuais, pois sua identidade acaba combinada ao modo pelo qual a sociedade deseja que elas se comportem: causa de escândalos na mídia [é vergonhoso para artistas serem flagrados com transexuais], pessoas que habitam as ruas durante a madrugada – e que sofrem agressões físicas pelo simples fato de ali estarem – ou mesmo objetos de riso por parte daqueles que não compreendem absolutamente nada do universo de uma pessoa com direitos.

Luisa Marilac aponta problemas sérios, em sua curta entrevista, para se adquirir o tão sonhado direito à dignidade. O simples detalhe do registro de identidade é um deles. A troca do nome civil é algo caro, demorado e essa burocratização atrapalha bastante o cotidiano das transexuais. Ademais, outro tema bastante penoso diz respeito ao uso de banheiros. Esses e outros tantos detalhes acabam por demonstrar que a transexual passa por uma série de humilhações diárias e isso tudo vem acompanhado com uma semântica carregada por preconceitos religiosos bastante obscuros, como, por exemplo, a atitude perniciosa de classificar as transexuais como aberrações contra a natureza.

Com efeito, há muitos obstáculos na vida e no modo pelo qual a sociedade enxerga as transexuais. Contudo, boas iniciativas devem ser enaltecidas e, sobretudo, devem ajudar a rever os conceitos sobre os quais nossos discursos são baseados. Quem sabe, assim, possamos ver cada vez menos as transexuais figurarem nas sangrentas páginas policiais ou nos programas de fofoca e, ao invés disso, ver mais transexuais onde elas, de fato, desejarem estar: nas ruas sem sofrer nenhuma agressão; ocupando qualquer trabalho; nos bancos de universidades; sem que ninguém, com isso, ache que tais conquistas são uma excentricidade que não lhes cabe.


Matheus Pazos é doutorando em filosofia [UNICAMP] e um dos editores do blog ‘Agora falando sério’.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Indignação seletiva: o caso Eurico Miranda.

Já que o assunto da vez é a volta do Eurico Miranda para a direção do vasco....

Adianto que Eurico não representa a gestão dos meus sonhos. Sobretudo porque ele é o tipo de figura que faz o clube se confundir com ele, à maneira daqueles magistrados que fazem as leis se confundirem com eles próprios: “Eu sou a lei, eu mando e desmando ao meu bel-prazer!”.

Nesse sentido, Eurico não representa um avanço em termos de modelo de gestão política para o Vasco. Em especial porque tradicionalmente o Vasco esteve à frente de mudanças importantes na cultura do futebol brasileiro. Esteve à frente no processo de profissionalização do futebol; construiu o seu estádio ainda na década de vinte do século passado com a participação direta dos seus torcedores, enquanto alguns clubes brasileiros mamam até hoje nas tetas do Estado para construir seus estádios ou sediar seus jogos; e foi pioneiro no combate ao racismo e à discriminação dos negros nos gramados. Bancou essa briga com os grandes clubes cariocas, que naquele contexto exigiam da direção do Vasco a retirada dos jogadores negros como condição para participar do campeonato da elite do futebol carioca. O Vasco se recusou e essa recusa é uma puta fonte de orgulho pra todo vascaíno!

Uma história tão nobre tornou seus torcedores exigentes. Esperamos do Vasco não só um futebol bonito de se ver, mas também que esteja à frente dos processos de mudanças de que o futebol e a sociedade brasileira precisam. Por isso, Eurico, com o seu perfil tipo poderoso chefão, na minha opinião, não satisfaz as exigências de uma gestão mais moderna.

Porém, não dá pra negar alguns méritos de Eurico. Destaco dois: ter montado, ao lado de Antônio Soares Calçada, alguns dos melhores times da história do Vasco, o time campeão da libertadores e o time campeão da Copa Mercosul, por exemplo; e ter desafiado o poderio da rede Globo. Eurico protagonizou um dos maiores enfrentamentos da história da rede Globo. Não sei se em algum outro momento a empresa dos Marinhos foi desafiada com tamanha ousadia. Ninguém tira isso do Eurico, é fato, ponto. E esse enfrentamento não foi exclusivo à rede Globo. A federação carioca de futebol também foi posta em questão diversas vezes durante a gestão dele. O desrespeito e as maracutaias dos trios de arbitragem também eram contestadas por Eurico e isso é uma das coisas que mais faz falta ao Vasco hoje: uma direção que defenda, lute pelo Vasco nas situações em que o nosso clube é deliberadamente prejudicado. O modo como o Vasco foi prejudicado pela arbitragem no carioca de 2014, por exemplo, foi uma vergonha! Um diretor que defendesse o Vasco com mais ímpeto fez muita falta.

Em todo caso, o ponto principal, o que me chama mais atenção e motiva a escrita deste texto é o incômodo de outros torcedores com a volta de Eurico à presidência. A lamentação é geral: 'Eurico é retrocesso, representa a volta da cartolagem!'. Acho engraçado, curiosíssimo, que tenha sido preciso o retorno de Eurico à presidência do Vasco para que as pessoas se incomodassem com a politicagem que domina o futebol brasileiro. Quer dizer que até então estava tudo de boa? Corinthians construiu estádio com dinheiro público? 'Ah, de boa!'. Andrés Sanches declara “Sou amigo do Ricardo Teixeira. Sou amigo da Globo, apesar de ela ser gângster”? 'Ah, De boa'. Lusa vendeu vaga na série A, suspeita-se que para Flamengo ou Fluminense? 'Ah, de boa'! O problema mesmo é Eurico ter voltado à direção do Vasco. Parece até a indignação seletiva dos eleitores do PSDB: corrupção no Brasil? Mensalão do PT! Evidentemente antes disso não havia corrupção no Brasil! Sei... e você também acredita que papai noel sai por aí voando num trenó?

Não tenho esperança que o Eurico promova a mudança de cultura que o Vasco e de modo geral o futebol brasileiro precisam. Agora, se a lamentação é seletiva, se a volta de Eurico à presidência incomoda mais que a construção do estádio do Corinthians e as declarações de Andrés Sanches; se incomoda mais que a compra da série A, suspeito então que o incômodo tenha outras motivações. Suspeito que a preocupação não é com a cartolagem. Talvez o que está em jogo é a preocupação com a possibilidade de que a arbitragem seja questionada e se torne menos “amiga”; talvez o receio é que o Vasco se erga e volte a ser o clube vitorioso de sempre. Se for esse o caso, colegas, fiquem despreocupados. Uma jornada vitoriosa - construída dentro de campo com bom futebol e sem o auxílio do apito “amigo” - é consequência de um trabalho coletivo que não dá frutos da noite pro dia. Provavelmente o nosso querido clube ainda vai enfrentar dias difíceis.

Porém, o retorno de Eurico traz à tona a expectativa de que um desejo urgente de todo vascaíno se realize: o desejo de que o Vasco volte a ser respeitado, dentro e fora dos gramados, pelos adversários e pelas instituições (algumas das quais não menos adversárias). Talvez isso explique a indignação  seletiva e a balbúrdia de alguns colegas.

Dante Andrade, psicólogo, mestrando em filosofia na Unicamp e, com orgulho, vascaíno.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Ao senhor FHC: ainda sobre a dita ignorância...

Nordestinos ignorantes, revira-volta nas eleições baianas e outras pérolas marcaram o 1o. turno das eleições no Brasil, mas volta e revira que as coisas não são bem assim...

Depois da declaração de FHC que porque sou nordestina e voto em Dilma, sou ignorante, achei por bem mostrar que os baianos, em sua grande maioria, podem ter uma visão política diferente da do Ex-Presidente, mas nem por isso menos sólida. Depois de décadas de opressão política que envolveram suspeitas de manipulação de resultados com a corrupção das antigas urnas de cédula, votos de cabresto, cabides infindáveis de emprego público e o uso da estrutura pública para satisfação de interesses privados e para a reprodução da estrutura patriarcal, os baianos puseram fim à era do carlismo e não há espaço para saudosismos.

Vou contar uma novidade para V. Exa., ex-Presidente: não somos mal informados, apenas, diferentemente de muitos dos que se deixaram iludir pelo “canto da sereia pmdbista”, não sucumbimos ao apelo midiático anti-petista. Conhecemos essa conversinha e sabemos aquilo que V. Exa. não disse: a informação no Brasil tem dono! Na Bahia, isso ocorre, pelo menos, desde a década de 80! Tá duvidando?

A manipulação das pesquisas de opinião no Estado são históricas e, se a população fosse mal informada sobre a trajetória política dos seus candidatos ou alienada politicamente, certamente o uso desses instrumentos poderiam vir a mudar o rumo da história política do estado. Ao invés de elegermos aqueles que efetivamente escolhemos, teríamos eleito aqueles escolhidos pelos “donos da informação”: 

·    Nas eleições de 2006, a disputa pelo Governo se deu entre Jaques Wagner (PT) que obteve 3.242.336 (52,89%) e Paulo Souto (PFL) que obteve 2.638.215 (43,03%) dos votos válidos. Ocorre que a pesquisa de opinião do IBOPE dos dias 26/07, 14/08 e 10/09 apresentou como resultado das intenções de votos para Jaques Wagner 13%, 16% e 28%, respectivamente, enquanto que para Paulo Souto os percentuais foram 56%, 52% e 50%.

·   De modo ainda mais extraordinário, na repetição da disputa em 2010, Jaques Wagner obteve 4.101.115 (63,38%) e Paulo Souto obteve 1.033.600 (16,09%) dos votos válidos. Para as eleições de 2010, a Datafolha divulgou durante toda a corrida eleitoral intenções de voto 20% aquém do que fora efetivamente recebido pelo atual governador da Bahia, assim como percentuais acima daquele que efetivamente fora recebido por Paulo Souto. Somente às vésperas das eleições e com a opinião pública inalterada acerca da reeleição de Jaques Wagner que o instituto de pesquisa passou a divulgar dados condizentes com a realidade.

·    Agora, nas eleições de 2014... era uma vez maio de 2014, quando Paulo Souto, segundo o Ibope tinha 42% das intenções de voto e Rui Costa (PT) tinha 9%, noticiado no G1 que “o nível de confiança é de 95%. Isso quer dizer que o instituto tem 95% de certeza de que os resultados obtidos estão dentro da margem de erro (3%)”. Ainda em 04/10, a TV Bahia, de propriedade da família Magalhães e afiliada à Rede Globo, divulgou pesquisa Ibope com empate técnico em 46% entre os dois candidatos, mas no dia 05/10, ao final, eis que Rui Costa obteve 3.558.975 (54%) e Paulo Souto obteve 2.440.409 (37%) dos votos válidos.

A informação tem dono e é sempre contrária ao PT, mas ainda assim seus candidatos tem conseguido fazer história... esta sim, verdadeira fonte de informação e que deve ser conhecida por todos. No âmbito federal, a resposta vem do Laboratório de Estudos de Mídia (UFRJ), que criou o “manchetômetro” e mostrou catalogando as notícias do jornalismo brasileiro “a desonestidade da imprensa brasileira”, pois “se o Brasil fosse o que mostra a imprensa, estaríamos todos mortos de fome” e essas conclusões vem acompanhadas de outras: “o Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP) da UERJ demonstra, com seu “manchetômetro” (ver aqui), como os jornais blindaram Fernando Henrique Cardoso e expuseram Lula da Silva no passado recente, como tratam desigualmente o governo federal e o governo paulista, como as notícias sobre Aécio Neves são mais equilibradas do que o material referente à presidente Dilma Rousseff, bombardeada na proporção de 182 informes negativos para apenas 15 positivos, por exemplo, e como esse bombardeio se intensifica no período eleitoral”. E como sou bem informada, principalmente pelos meios autônomos de comunicação nacional e internacional, sei que 182 X 15 (só no Jornal Nacional foi 82X3) não é porque faltam coisas positivas a serem ditas sobre o atual governo, mas apenas porque a mídia tem dono!

Desculpe-me por não ser ignorante FHC e atribuir um valor de verdade à sua epifania contra os nordestinos, mas, eu, assim como meus conterrâneos, apenas tivemos a oportunidade de conhecer uma realidade diferente, livre de discursos generalistas e reacionários que, nas palavras da Presidente Dilma, não passam de “uma visão absolutamente preconceituosa e elitista, dizendo que os meus votos são dos ignorantes e, os dos ilustrados, são deles. É um desrespeito. Como eles não andam no meio do povo, como eles não dão importância para o povo brasileiro, eles querem desqualificar o povo brasileiro”. No domingo, veremos o que será do empate técnico entre Dilma e Aécio!





http://www.eleicoes2014.com.br/pesquisa-eleitoral-bahia/

Paula Freitas Almeida, advogada, mestra em filosofia - UNICAMP.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Retroceder não é o caminho

O capitalismo sob a sua expressão neodesenvolvimentista ainda nos deixa em plena sede com relação ao avanço nas lutas sociais. Para um eleitor comunista ou até mesmo socialista, já as formas de avanço numa política encarcerada nos meandros tentaculares jurídicos encerram a política num pobre ato de sufrágio e ensejam manifesto desencanto. Entretanto, muitos talvez hão de convir, os que se posicionam no cotidiano político, que numa escolha eleitoral há certos pontos a se considerar ainda que desejosos diante do avanço na dissolução de uma sociedade de classes.

As relações entre política e história não são fáceis e jamais apresentaram fórmulas certas do porvir histórico, dos efeitos que as convulsões sociais têm na ação e reação da máquina-Estado ou nos desvios que a obrigam, sobretudo num contexto de “democracia”. Voltaremos a isso. Mas, no campo político, considerando-o como aquele em que a máquina-Estado produz sua eficácia, é preciso ponderar que o mesmo neodesenvolvimentismo insipiente quando isolado ganha gosto e, em seu contexto histórico desde 2003 até os dias de hoje, foi capaz de transformações e adaptações progressistas em meio a um quadro geral e comparativo com a antiga tendência neoliberal selvagem que se vinculava a gestão anterior aos governos Lula e Dilma. Por isso, não gostaria de discutir o que considero indiscutível, a saber, o histórico comparativo entre dois governos em questão. Apenas eu gostaria de apresentar alguns pontos os quais considero de certa relevância e que espreitam o debate político e, neste contexto, demarcam a posição daqueles que insistem na inversão neoliberal. Insisto apenas sem incorrer na ingenuidade que uma posição política se trata como questão de inteligência, pois penso que elas se referem antes ao de onde se fala do que a uma pretensa escolha livre e consciente. Com efeito, são reflexos de frações de classe que estão em jogo, com todas as disposições ideológicas próprias a elas, enraizadas nas práticas de seus sujeitos, na vivência material da vida de cada indivíduo, como penso.
O primeiro aspecto que devo chamar atenção, se me permitem, é uma dificuldade antropológica. Em muitas mídias vemos uma acentuada diferenciação antropológica ressaltada por um sentimento de moral depreciativo de uma das partes, como, por exemplo, na divisão entre norte/nordeste e sul/sudeste do país, divisão que reflete também um quadro eleitoral, pois polarizada, em traços gerais, na disputa entre Dilma/Aécio, respectivamente. A pretensão do sudeste já remonta a uma historicidade bastante conturbada de “epicentro capitalista” do Brasil, estrutura mantida até o fim do governo FHC. Todavia, desde 2003 vemos um projeto de integração no qual o descentramento da política industrial paulista em especial por parte das políticas federais acentua certo grau mais elevado de autonomia político-econômica que, aos olhos dos partidários do “epicentro”, ofusca o privilégio de seu “singular” êxito econômico social galgado em detrimento e rapina das demais regiões. Ainda mais, tendo em vista o desprezo que o governo neoliberal teve com relação à “periferia” do capitalismo industrial do sudeste. Ocorre que, na política neodesenvolvimentista do PT, as defasagens começaram a se dissipar obedecendo quase literalmente o brocardo “apressa-te lentamente”. Isto, mais do que o espírito fácil de alguns anos atrás, no qual era quase senso comum condenar o fluxo migratório de forças produtivas sob a bandeira tosca “o antinordestino”, sobretudo na medíocre classe média paulista; isto corroborou para o difícil e doído sorriso banguela da mesma classe média já dissolvida com o seu significativo alargamento no governo atual. Privilégios perdidos, votos adquiridos... para Aécio. É quase uma resposta messiânica à promessa da regeneração do “epicentro” perdido, da volta à canaã e do enxugamento da classe média. Motivo de bandeiras de ódio e diferenciação acentuada nos discursos sectários acirrados na disputa eleitoral através da boca daqueles que não gozam mais e hoje só por aí defecam. Eis um traço antropológico digno, a meu ver, de cuidado neste processo eleitoral. Está em jogo uma crença, não pouco justificada na figura de Aécio, da interrupção de todo um processo galgado no sentido de uma real integração nacional através de descentramento paulatino dos “epicentros” do poder econômico e, mais ainda, do desenvolvimento social. A solução, felizmente, já se desenha desde 2003, apagar das gerações engendradas e subjetivadas no contexto da majestade a nefasta memória de seu “epicentro” para adaptarem-se no esquecimento de um passado que se desmantela com o descentramento promovido pelo neodesenvolvimentismo.
Outro aspecto que diz respeito à distinção de classes merece certa atenção. Trata-se da distinção social e, no mais das vezes, de ascensão social dada pela formação educacional de certo indivíduo. Há tempos, estudar, possuir uma graduação, etc., era elemento fundamental de distinção social principalmente para a clássica classe média (chamemos assim, a classe média neoliberal data do governo FHC hoje em “decadência”). No entanto, com as políticas de inclusão social, com o aumento significativo das universidades federais (ainda que em situações precárias) e também com a proliferação e incentivo do ensino técnico, contribui-se para que esse mesmo elemento de distinção dissolva-se na medida em que a ascensão social não se dá mais pela especificidade de se possuir ou não qualificação. Este espectro torna-se visível no ódio que a clássica classe média guarda com relação aos filhos de seus empregados estudarem nas mesmas universidades ou então com o mesmo bacharelado que a sua linda prole-bolha. O mesmo poderia ser estendido para a diferenciação antropológica regionalista acima dita, hoje não é só o paulista o engenheiro com pós-doutorado, mas também aquele nordestino que ele repugnava e continua a repugnar, que o paulista de clássica classe média odeia mais pela sua qualificação ser não raramente muito superior a sua. E, mais ainda, qualificação que não é adquirida necessariamente no seio do sudeste, mas sim, hoje, nas regiões em pleno desenvolvimento econômico-social. O “alargamento” da classe média, ou seja, o aumento do poder de consumo de uma fração significativa inferior à média clássica, a trabalhadora propriamente dita, junto a sua recomposição permitiu um aceleramento acentuado da circulação mercantil e um escoamento notável de força produtiva qualificada, o que equalizou demandas de mercado por mão de obra implicando diminuição dos salários de cargos que exigem tais qualificações. Não só isso, nos locais de consumo, como shoppings, p.ex., a classe média em ascensão ocupa em peso aquilo que era privilégio exclusivo da classe média clássica, provocando um desespero da última para distinguir-se da primeira. O caso é a impossibilidade cada vez mais acentuada de se distinguir entre tais classes médias. Os que temos, então, como advogados de Aécio, não passam de fantasmagorias, muito embora não seja inexpressiva em sua conduta política na representatividade burguesa. Eles insistem nisso, permanecem na ideia do antigo retorno às condições de privilégio que assentavam o menor grau de distinção. Tanto quanto os médicos cubanos feriram o orgulho distintivo do “doutô”, da elite bacharelada de jaleco branco, o alargamento da classe média em geral, a nova classe média, fere o orgulho distintivo da clássica classe média. Quando então se pode ainda observar que alguns não poucos que ascenderam, logo ganharam seu “lugar ao sol”, se permitem reproduzir a ideologia fracassada de uma política neoliberal como que denegando seu processo de ascensão. Mas essa guerra ideológica que se efetiva em política tem fim...
Ritornello: para aquele que toma partido pelo comunismo, pela esquerda comunista e não a esquerda do ponto de vista das formas burguesas de política. É certo que jamais antes a burguesia beneficiou-se tanto nos governos Lula e Dilma quanto o proletariado, os movimentos sindicais e movimentos sociais se frustraram. Há aqueles que crêem que quanto pior a situação, melhor para a luta revolucionária. Há também aqueles que são etapistas e admitem que o homem faz sua história, que não importa o que se faz na política burguesa que a luta operária continua. Certamente a luta continua sem cessar, mas julgar abster-se de posicionamento na recusa do PT nesta atual conjuntura parece-me manifestamente problemático. Acaso, ainda que pouco, o PT não foi mais permeável aos movimentos de massa? Ou é preferível um governo federal como o do estado de São Paulo, em que a última e primeira palavra são o mero porrete? São perguntas críticas, as respostas permanecem em suspenso. Mas na atual conjuntura, no meu ponto de vista, recusar pensar nos resultados de um eminente governo PSDB no Brasil é, a quem preste mediana atenção, recusar os aspectos mais progressistas jamais conquistados antes, ainda que mínimos, e, pior ainda, recuá-los a ponto de talvez tornarem-se nulos seus efeitos.
Diego Lanciote - estudante de filosofia - UNICAMP

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Acontece que sou baiana...

Sou baiana, nordestina e tenho interesse, sim, em Dilma Rousseff permanecer no governo. Ela trouxe mais de 15 faculdades e cursos novos para a Bahia, expandiu a Ufba (única federal em mais de 25 anos no estado), criou a Universidade do Vale do Rio São Francisco, a Universidade Federal do Sul da Bahia e aprovou neste ano a Universidade Federal do Sudoeste da Bahia. Além disso, o governo abriu vagas para doutores em todos estes pólos técnicos e universitários com salário inicial superior a oito mil reais. Este governo de Dilma ampliou os aquedutos no sertão da Bahia e minimizou o impacto da seca na Bahia, construiu estradas vicinais entre municípios e outras melhorias para o desenvolvimento regional. Antes que alguém brade por minha "desinformação nordestina" , adianto que sou pós graduada, tenho dois mestrados e curso um doutorado na Unicamp. Ah, por que meu doutorado é em São Paulo? Porque nenhum governo entre os anos 80 e 90 teve a intenção de expandir os programas de pós graduação de forma igualitária em todos os estados de modo que os PRIMEIROS doutorados em ciências humanas do sertão da Bahia chegaram apenas APÓS a minha aprovação em doutorados fora do estado, mesmo que as universidades estaduais baianas contassem com profissionais qualificados e doutores com tempo superior a dez anos de conclusão do curso. Deve ser mesmo assustador para os estados mais desenvolvidos o aprimoramento técnico dessa "massa de manobra" que vive ainda hoje retirante em busca de condições sociais mais justas, mais concentradas atualmente nos estados da região sudeste e sul. Tenho fé de que minhas filhas permanecerão em uma Bahia diferente da que vi na minha infância, onde existiam crianças nas beiradas das estradas quebrando pedras para construção civil.

Clara Carolina Santos, doutoranda em Teoria e História Literária - UNICAMP

Quem precisa do Estado?


Armínio Fraga, principal nome de uma futura equipe econômica de Aécio Neves, disse que "o salário mínimo está muito alto". Em sua fala, argumenta que isso “desequilibra” o cenário econômico atual. Para alcançar esse suposto “equilíbrio”, a ideia subjacente é que aumentar os ganhos dos empresários os levaria a investir mais na produção. 

Essa perspectiva demonstra claramente o que um governo do PSDB representa: a renúncia a uma política de valorização dos que estão na base da pirâmide social. Trata-se da eterna — e ideológica — confiança no acúmulo de renda como meio de contribuir para o aumento da riqueza, cuja divisão igualitária é adiada indefinidamente. Em vez de valorizar aqui e agora todos aqueles que precisam do auxílio do Estado para ter uma vida digna, quer-se convencer aos mais pobres que deixar o dinheiro na mão de quem “pode investir” irá fazer com que a produção aumente e que, só então — quando houver suficiente estabilidade, segurança, inflação baixa etc. — poderá haver ganhos “reais” para quem só vive de seu próprio trabalho.

Bastante ao contrário do que apregoa Armínio Fraga — que foi assessor de um mega-investidor especulativo, George Soros —, a política de Lula/Dilma é de favorecimento do poder aquisitivo não apenas dos mais necessitados através do Bolsa-família, mas também de uma consistente valorização do salário mínimo e de classes sociais desprestigiadas, como ficou claro com a aprovação da lei referente às empregadas domésticas. No fim do governo Fernando Henrique Cardoso, o salário mínimo comprava 1,55 cestas básicas e valia 114,04 dólares; hoje, compra 2,18 cestas básicas e vale 295,5 dólares.

A economia deve crescer, sim, mas sempre acompanhada do reconhecimento do valor do trabalho e, nesse mesmo passo, da própria pessoa do trabalhador. Para essa gente, a crença da repartição de um bolo que cresce, mas que demora demais a ser dividido, é apenas mais uma ideologia que querem nos fazer engolir.

Verlaine Freitas - professor do depto. de filosofia - UFMG

terça-feira, 7 de outubro de 2014

O governo Dilma e a Caixa Econômica Federal

Faz exatos 15 meses que me tornei uma bancária. Banqueiro de sorte esse, pois, a empresa teve, em 2013, um lucro na casa dos 6 a 7 bilhões de reais. Esse banco é, ainda por cima, a oitava marca mais valiosa do mercado financeiro, segundo o Brand Finance. Ah! E está também entre as 100 marcas mais valiosas do país.

Pfff...nada demais, afinal de contas é um banco, né? A natureza do negócio é o lucro.
E se eu te disser que esse banco recebeu o Prêmio Brasil de Meio Ambiente na categoria de Eficiência Energética?

Sim, mas esse blá blá blá ecológico agora é modinha entre as empresas.

Ok, tá bom. E se eu disser que esse banco é o patrocinador oficial das Paraolimpíadas? Que é o banco no qual você pode abrir uma conta corrente sem comprovante de residência? Que é o banco no qual você pode financiar a reforma da sua casa? A compra dos eletrodomésticos? Que é o banco que possibilitou que milhões de brasileiros pudessem ter acesso ao sistema bancário pela primeira vez?
E melhor ainda, se eu te disser que esse banco é 100% público?

Não, amigos. Não se trata de marketing. Eu não estou aqui para convidá-lo a ser mais um cliente. Desde 2002, o que não falta a Caixa Econômica Federal são clientes. Na verdade, a possibilidade do senhor se tornar um cliente da Caixa é muito grande, afinal, imagino que queira financiar um apartamento, sacar o FGTS, receber o seguro desemprego...

Nesses últimos 12 anos, a Caixa se mantém firme na tentativa de conciliar a voracidade das exigências do mercado financeiro com a prestação de serviços sociais inerentes a sua natureza pública.

É nesse sentido que, uma das suas missões para os próximos anos, é a de se tornar um dos três maiores bancos brasileiros.  Um banco que pretende ser “mais que um banco”. Para tanto, expandiu ainda mais sua atuação no mercado financeiro, ampliando as linhas de crédito e consequentemente alargando as metas de captação de recursos.

Tais mudanças são interpretadas ora como benesses, uma vez que podem fortalecer a marca e torná-la uma empresa pública cada vez mais lucrativa; ora como fatores negativos porque junto com a imersão no mercado financeiro vem o alargamento das metas, tão conhecidas dos sindicatos bancários.

Até o presente momento, enquanto funcionária , vejo que a maior preocupação da Caixa ainda é o seu compromisso social. Brasília não dá nenhum sinal de frear as políticas sociais viabilizadas através do banco, pelo contrário, a tendência é investir cada vez mais em tecnologia da informação para assegurar melhor qualidade na prestação dos serviços públicos.

Acabamos de sair de uma greve na qual a proposta apresentada pela Caixa ainda foi a melhor opção dentre os bancos. Óbvio que, como em qualquer empresa, ainda há muito pelo que lutar, e muito do que reclamar.

Sim, mas o que isso tem a ver com política?

Tudo. Estamos falando de uma empresa PÚBLICA. 100% PÚBLICA. Uma empresa vinculada ao Ministério da Fazenda e, portanto, ponto-chave de qualquer programa de governo voltado ao setor econômico.

O que foi mencionado é reflexo da política de governo dos últimos 12 anos. E os próximos quatro?
A missão da Caixa para 2022, de estar entre os três maiores bancos do país, está inserida na política econômica do atual governo. Tal política se caracteriza pela expansão do crédito (atuação forte nos programas sociais de oferta de crédito – Caixa Melhor Crédito, Minha Casa Melhor, Minha Casa Minha Vida etc.), da captação de recursos (poupança, letras de câmbio, fundos de investimento, CDB), do cuidado com a inadimplência - fatores que já são determinantes à atuação dos gestores da rede de agências do banco. 

Em entrevista dada ao jornal Valor Econômico em setembro, a presidenta se disse preocupada com a proposta de seus adversários em relação aos bancos públicos. Ela ressaltou que a Caixa Econômica e o Banco do Brasil foram cruciais à ação na contramão que seu governo tomou diante da crise econômica internacional, na qual a oferta de crédito foi ampliada através de programas como o Minha Casa, Minha Vida, da Caixa, e as linhas de crédito voltadas ao agronegócio do Banco do Brasil.

Nesse blog, ainda se lerá bastante a respeito das propostas econômicas da presidente, contudo, no que tange aos bancos públicos, a tendência é sua defesa.

A outra tendência para os quatros anos é coordenada por Armínio Fraga. E o que se sabe até aqui:
- Autonomia operacional do Banco Central.
- Redução de custos dos empréstimos bancários.
- Revisão dos critérios para a concessão de créditos subsidiados pelos bancos públicos.

Ao que parece, em linhas gerais, a proposta do candidato à presidência pelo PSDB é a de frear a concessão de crédito pelos bancos públicos.

Hoje, a Caixa incentiva a concessão do crédito consciente, no qual a oferta está balizada por medidas de prevenção à fraude, por um sistema de avaliação de crédito, por uma análise minuciosa da documentação comprobatória de renda, medidas que procuram prover o gestor do crédito do máximo de informações a fim de tomar uma decisão consciente e segura.

Ainda sabemos pouco da política para os bancos públicos proposta pelo senhor Aécio Neves. O que sabemos, até então, da gestão do PSDB nesse setor é tão inquietante que basta citar os oitos anos sem reajuste e a iminência de privatização.

Na realidade, os oito anos FHC são suficientes para vários artigos, contudo, deixo aqui alguns links que podem ajudar a relembrá-los.





Sobre os outros temas tratados no artigo:










Angélica de Paula Botelho, estudante de história e bancária.