O
cotidiano brasileiro é permeado por preconceitos. Em diversos ambientes, é
notório ouvir um número considerável de xingamentos, piadas e mesmo agressões
físicas dirigidas a grupos convencionalmente designados como minorias. No
Congresso Nacional, a atuação significativa do deputado Jean Wyllys [PSOL-RJ]
explicita o quão profundo é o descontentamento e a ignorância de nossa
sociedade, uma vez que esse deputado já sofrera uma série de campanhas
difamatórias vindas, inclusive, de seus colegas de Parlamento e que,
simplesmente, revelam a dificuldade em se ouvir um homossexual, democraticamente
eleito, defender posições humanitárias em defesa das referidas minorias.
O
discurso homofóbico, contudo, salta aos olhos num caso bastante específico: as
transexuais e seu lugar na sociedade. Recentemente, causou bastante incômodo nas
redes sociais – essa terra desolada na qual a profundidade oscila entre o poço
sem fundo e a superfície de um pires – a medida empregada pela Prefeitura de
São Paulo, cuja ação consiste em fornecer uma bolsa de estudos para
transexuais. Ademais, a Revista Capital, em sua página na internet, divulgou um
vídeo no qual Luisa Marilac, transexual famosa por conta de um pequeno vídeo
divulgado outrora, conta como se encontra realizada por estar trabalhando num
hotel e, finalmente, conseguir um nível de dignidade e respeito perante a
sociedade.
Ambas
as realizações merecem nosso incentivo. Estudar e trabalhar são direitos
fundamentais em qualquer sociedade minimamente organizada. Além disso, esses bons
passos contribuem para que a opinião pública questione alguns comportamentos
típicos de quem nunca parou para pensar sobre o lugar social das transexuais. As transexuais são tidas como objetos de fetiche e, por
isso, logo são vistas como pessoas que devem, necessariamente, trabalhar em
algo relacionado à indústria do sexo. Assim, não é dada, de antemão, nenhuma opção
para as transexuais, pois sua identidade acaba combinada ao modo pelo qual a
sociedade deseja que elas se comportem: causa de escândalos na mídia [é
vergonhoso para artistas serem flagrados com transexuais], pessoas que habitam
as ruas durante a madrugada – e que sofrem agressões físicas pelo simples fato
de ali estarem – ou mesmo objetos de riso por parte daqueles que não
compreendem absolutamente nada do universo de uma pessoa com direitos.
Luisa
Marilac aponta problemas sérios, em sua curta entrevista, para se adquirir o
tão sonhado direito à dignidade. O simples detalhe do registro de identidade é
um deles. A troca do nome civil é algo caro, demorado e essa burocratização
atrapalha bastante o cotidiano das transexuais. Ademais, outro tema bastante
penoso diz respeito ao uso de banheiros. Esses e outros tantos detalhes acabam por
demonstrar que a transexual passa por uma série de humilhações diárias e isso
tudo vem acompanhado com uma semântica carregada por preconceitos religiosos bastante obscuros,
como, por exemplo, a atitude perniciosa de classificar as transexuais como
aberrações contra a natureza.
Com
efeito, há muitos obstáculos na vida e no modo pelo qual a sociedade enxerga as
transexuais. Contudo, boas iniciativas devem ser enaltecidas e, sobretudo,
devem ajudar a rever os conceitos sobre os quais nossos discursos são baseados.
Quem sabe, assim, possamos ver cada vez menos as transexuais figurarem nas
sangrentas páginas policiais ou nos programas de fofoca e, ao invés disso, ver mais
transexuais onde elas, de fato, desejarem estar: nas ruas sem sofrer nenhuma agressão; ocupando qualquer trabalho; nos bancos de universidades; sem que ninguém, com isso, ache que tais
conquistas são uma excentricidade que não lhes cabe.
Matheus
Pazos é doutorando em filosofia [UNICAMP] e um dos editores do blog ‘Agora
falando sério’.