quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Por uma gramática inclusiva: a luta das transexuais

O cotidiano brasileiro é permeado por preconceitos. Em diversos ambientes, é notório ouvir um número considerável de xingamentos, piadas e mesmo agressões físicas dirigidas a grupos convencionalmente designados como minorias. No Congresso Nacional, a atuação significativa do deputado Jean Wyllys [PSOL-RJ] explicita o quão profundo é o descontentamento e a ignorância de nossa sociedade, uma vez que esse deputado já sofrera uma série de campanhas difamatórias vindas, inclusive, de seus colegas de Parlamento e que, simplesmente, revelam a dificuldade em se ouvir um homossexual, democraticamente eleito, defender posições humanitárias em defesa das referidas minorias.

O discurso homofóbico, contudo, salta aos olhos num caso bastante específico: as transexuais e seu lugar na sociedade. Recentemente, causou bastante incômodo nas redes sociais – essa terra desolada na qual a profundidade oscila entre o poço sem fundo e a superfície de um pires – a medida empregada pela Prefeitura de São Paulo, cuja ação consiste em fornecer uma bolsa de estudos para transexuais. Ademais, a Revista Capital, em sua página na internet, divulgou um vídeo no qual Luisa Marilac, transexual famosa por conta de um pequeno vídeo divulgado outrora, conta como se encontra realizada por estar trabalhando num hotel e, finalmente, conseguir um nível de dignidade e respeito perante a sociedade.

Ambas as realizações merecem nosso incentivo. Estudar e trabalhar são direitos fundamentais em qualquer sociedade minimamente organizada. Além disso, esses bons passos contribuem para que a opinião pública questione alguns comportamentos típicos de quem nunca parou para pensar sobre o lugar social das transexuais. As transexuais são tidas como objetos de fetiche e, por isso, logo são vistas como pessoas que devem, necessariamente, trabalhar em algo relacionado à indústria do sexo. Assim, não é dada, de antemão, nenhuma opção para as transexuais, pois sua identidade acaba combinada ao modo pelo qual a sociedade deseja que elas se comportem: causa de escândalos na mídia [é vergonhoso para artistas serem flagrados com transexuais], pessoas que habitam as ruas durante a madrugada – e que sofrem agressões físicas pelo simples fato de ali estarem – ou mesmo objetos de riso por parte daqueles que não compreendem absolutamente nada do universo de uma pessoa com direitos.

Luisa Marilac aponta problemas sérios, em sua curta entrevista, para se adquirir o tão sonhado direito à dignidade. O simples detalhe do registro de identidade é um deles. A troca do nome civil é algo caro, demorado e essa burocratização atrapalha bastante o cotidiano das transexuais. Ademais, outro tema bastante penoso diz respeito ao uso de banheiros. Esses e outros tantos detalhes acabam por demonstrar que a transexual passa por uma série de humilhações diárias e isso tudo vem acompanhado com uma semântica carregada por preconceitos religiosos bastante obscuros, como, por exemplo, a atitude perniciosa de classificar as transexuais como aberrações contra a natureza.

Com efeito, há muitos obstáculos na vida e no modo pelo qual a sociedade enxerga as transexuais. Contudo, boas iniciativas devem ser enaltecidas e, sobretudo, devem ajudar a rever os conceitos sobre os quais nossos discursos são baseados. Quem sabe, assim, possamos ver cada vez menos as transexuais figurarem nas sangrentas páginas policiais ou nos programas de fofoca e, ao invés disso, ver mais transexuais onde elas, de fato, desejarem estar: nas ruas sem sofrer nenhuma agressão; ocupando qualquer trabalho; nos bancos de universidades; sem que ninguém, com isso, ache que tais conquistas são uma excentricidade que não lhes cabe.


Matheus Pazos é doutorando em filosofia [UNICAMP] e um dos editores do blog ‘Agora falando sério’.