terça-feira, 18 de novembro de 2014

Indignação seletiva: o caso Eurico Miranda.

Já que o assunto da vez é a volta do Eurico Miranda para a direção do vasco....

Adianto que Eurico não representa a gestão dos meus sonhos. Sobretudo porque ele é o tipo de figura que faz o clube se confundir com ele, à maneira daqueles magistrados que fazem as leis se confundirem com eles próprios: “Eu sou a lei, eu mando e desmando ao meu bel-prazer!”.

Nesse sentido, Eurico não representa um avanço em termos de modelo de gestão política para o Vasco. Em especial porque tradicionalmente o Vasco esteve à frente de mudanças importantes na cultura do futebol brasileiro. Esteve à frente no processo de profissionalização do futebol; construiu o seu estádio ainda na década de vinte do século passado com a participação direta dos seus torcedores, enquanto alguns clubes brasileiros mamam até hoje nas tetas do Estado para construir seus estádios ou sediar seus jogos; e foi pioneiro no combate ao racismo e à discriminação dos negros nos gramados. Bancou essa briga com os grandes clubes cariocas, que naquele contexto exigiam da direção do Vasco a retirada dos jogadores negros como condição para participar do campeonato da elite do futebol carioca. O Vasco se recusou e essa recusa é uma puta fonte de orgulho pra todo vascaíno!

Uma história tão nobre tornou seus torcedores exigentes. Esperamos do Vasco não só um futebol bonito de se ver, mas também que esteja à frente dos processos de mudanças de que o futebol e a sociedade brasileira precisam. Por isso, Eurico, com o seu perfil tipo poderoso chefão, na minha opinião, não satisfaz as exigências de uma gestão mais moderna.

Porém, não dá pra negar alguns méritos de Eurico. Destaco dois: ter montado, ao lado de Antônio Soares Calçada, alguns dos melhores times da história do Vasco, o time campeão da libertadores e o time campeão da Copa Mercosul, por exemplo; e ter desafiado o poderio da rede Globo. Eurico protagonizou um dos maiores enfrentamentos da história da rede Globo. Não sei se em algum outro momento a empresa dos Marinhos foi desafiada com tamanha ousadia. Ninguém tira isso do Eurico, é fato, ponto. E esse enfrentamento não foi exclusivo à rede Globo. A federação carioca de futebol também foi posta em questão diversas vezes durante a gestão dele. O desrespeito e as maracutaias dos trios de arbitragem também eram contestadas por Eurico e isso é uma das coisas que mais faz falta ao Vasco hoje: uma direção que defenda, lute pelo Vasco nas situações em que o nosso clube é deliberadamente prejudicado. O modo como o Vasco foi prejudicado pela arbitragem no carioca de 2014, por exemplo, foi uma vergonha! Um diretor que defendesse o Vasco com mais ímpeto fez muita falta.

Em todo caso, o ponto principal, o que me chama mais atenção e motiva a escrita deste texto é o incômodo de outros torcedores com a volta de Eurico à presidência. A lamentação é geral: 'Eurico é retrocesso, representa a volta da cartolagem!'. Acho engraçado, curiosíssimo, que tenha sido preciso o retorno de Eurico à presidência do Vasco para que as pessoas se incomodassem com a politicagem que domina o futebol brasileiro. Quer dizer que até então estava tudo de boa? Corinthians construiu estádio com dinheiro público? 'Ah, de boa!'. Andrés Sanches declara “Sou amigo do Ricardo Teixeira. Sou amigo da Globo, apesar de ela ser gângster”? 'Ah, De boa'. Lusa vendeu vaga na série A, suspeita-se que para Flamengo ou Fluminense? 'Ah, de boa'! O problema mesmo é Eurico ter voltado à direção do Vasco. Parece até a indignação seletiva dos eleitores do PSDB: corrupção no Brasil? Mensalão do PT! Evidentemente antes disso não havia corrupção no Brasil! Sei... e você também acredita que papai noel sai por aí voando num trenó?

Não tenho esperança que o Eurico promova a mudança de cultura que o Vasco e de modo geral o futebol brasileiro precisam. Agora, se a lamentação é seletiva, se a volta de Eurico à presidência incomoda mais que a construção do estádio do Corinthians e as declarações de Andrés Sanches; se incomoda mais que a compra da série A, suspeito então que o incômodo tenha outras motivações. Suspeito que a preocupação não é com a cartolagem. Talvez o que está em jogo é a preocupação com a possibilidade de que a arbitragem seja questionada e se torne menos “amiga”; talvez o receio é que o Vasco se erga e volte a ser o clube vitorioso de sempre. Se for esse o caso, colegas, fiquem despreocupados. Uma jornada vitoriosa - construída dentro de campo com bom futebol e sem o auxílio do apito “amigo” - é consequência de um trabalho coletivo que não dá frutos da noite pro dia. Provavelmente o nosso querido clube ainda vai enfrentar dias difíceis.

Porém, o retorno de Eurico traz à tona a expectativa de que um desejo urgente de todo vascaíno se realize: o desejo de que o Vasco volte a ser respeitado, dentro e fora dos gramados, pelos adversários e pelas instituições (algumas das quais não menos adversárias). Talvez isso explique a indignação  seletiva e a balbúrdia de alguns colegas.

Dante Andrade, psicólogo, mestrando em filosofia na Unicamp e, com orgulho, vascaíno.