Já que o assunto da vez é a volta
do Eurico Miranda para a direção do vasco....
Adianto que
Eurico não representa a gestão dos meus sonhos. Sobretudo porque ele é o tipo
de figura que faz o clube se confundir com ele, à maneira daqueles magistrados
que fazem as leis se confundirem com eles próprios: “Eu sou a lei, eu mando e
desmando ao meu bel-prazer!”.
Nesse sentido,
Eurico não representa um avanço em termos de modelo de gestão política para o
Vasco. Em especial porque tradicionalmente o Vasco esteve à frente de mudanças
importantes na cultura do futebol brasileiro. Esteve à frente no processo de
profissionalização do futebol; construiu o seu estádio ainda na década de vinte
do século passado com a participação direta dos seus torcedores, enquanto alguns
clubes brasileiros mamam até hoje nas tetas do Estado para construir seus
estádios ou sediar seus jogos; e foi pioneiro no combate ao racismo e à
discriminação dos negros nos gramados. Bancou essa briga com os grandes clubes
cariocas, que naquele contexto exigiam da direção do Vasco a retirada dos
jogadores negros como condição para participar do campeonato da elite do
futebol carioca. O Vasco se recusou e essa recusa é uma puta fonte de orgulho
pra todo vascaíno!
Uma história tão
nobre tornou seus torcedores exigentes. Esperamos do Vasco não só um futebol
bonito de se ver, mas também que esteja à frente dos processos de mudanças de
que o futebol e a sociedade brasileira precisam. Por isso, Eurico, com o seu
perfil tipo poderoso chefão, na minha opinião, não satisfaz as exigências de
uma gestão mais moderna.
Porém, não dá
pra negar alguns méritos de Eurico. Destaco dois: ter montado, ao lado de
Antônio Soares Calçada, alguns dos melhores times da história do Vasco, o time
campeão da libertadores e o time campeão da Copa Mercosul, por exemplo; e ter
desafiado o poderio da rede Globo. Eurico protagonizou um dos maiores
enfrentamentos da história da rede Globo. Não sei se em algum outro momento a
empresa dos Marinhos foi desafiada com tamanha ousadia. Ninguém tira isso do
Eurico, é fato, ponto. E esse enfrentamento não foi exclusivo à rede Globo. A
federação carioca de futebol também foi posta em questão diversas vezes durante
a gestão dele. O desrespeito e as maracutaias dos trios de arbitragem também
eram contestadas por Eurico e isso é uma das coisas que mais faz falta ao Vasco
hoje: uma direção que defenda, lute pelo Vasco nas situações em que o nosso
clube é deliberadamente prejudicado. O modo como o Vasco foi prejudicado pela
arbitragem no carioca de 2014, por exemplo, foi uma vergonha! Um diretor que
defendesse o Vasco com mais ímpeto fez muita falta.
Em todo caso, o
ponto principal, o que me chama mais atenção e motiva a escrita deste texto é o
incômodo de outros torcedores com a volta de Eurico à presidência. A lamentação
é geral: 'Eurico é retrocesso, representa a volta da cartolagem!'. Acho
engraçado, curiosíssimo, que tenha sido preciso o retorno de Eurico à
presidência do Vasco para que as pessoas se incomodassem com a politicagem que
domina o futebol brasileiro. Quer dizer que até então estava tudo de boa?
Corinthians construiu estádio com dinheiro público? 'Ah, de boa!'. Andrés
Sanches declara “Sou amigo do Ricardo
Teixeira. Sou amigo da Globo, apesar de ela ser gângster”? 'Ah, De boa'. Lusa
vendeu vaga na série A, suspeita-se que para Flamengo ou Fluminense? 'Ah, de
boa'! O problema mesmo é Eurico ter voltado à direção do Vasco. Parece até a
indignação seletiva dos eleitores do PSDB: corrupção no Brasil? Mensalão do PT!
Evidentemente antes disso não havia corrupção no Brasil! Sei... e você também
acredita que papai noel sai por aí voando num trenó?
Não tenho
esperança que o Eurico promova a mudança de cultura que o Vasco e de modo geral
o futebol brasileiro precisam. Agora, se a lamentação é seletiva, se a volta de
Eurico à presidência incomoda mais que a construção do estádio do Corinthians e
as declarações de Andrés Sanches; se incomoda mais que a compra da série A,
suspeito então que o incômodo tenha outras motivações. Suspeito que a
preocupação não é com a cartolagem. Talvez o que está em jogo é a preocupação
com a possibilidade de que a arbitragem seja questionada e se torne menos
“amiga”; talvez o receio é que o Vasco se erga e volte a ser o clube vitorioso
de sempre. Se for esse o caso, colegas, fiquem despreocupados. Uma jornada
vitoriosa - construída dentro de campo com bom futebol e sem o auxílio do apito
“amigo” - é consequência de um trabalho coletivo que não dá frutos da noite pro
dia. Provavelmente o nosso querido clube ainda vai enfrentar dias difíceis.
Dante Andrade, psicólogo, mestrando em filosofia na Unicamp e, com orgulho, vascaíno.
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